CINEMA | a última laranja a cair apague a luz (ou “laranja mecânica” e o direito de ser e escolher)

Eu amo cinema desde que me entendo por gente. foi algo natural. Nunca fui interessado em estudar cinema, saber sobre detalhes técnicos e afins, apenas queria ver o máximo de filmes possível. Há alguns anos, cheguei até a criar uma página no facebook chamada A tela que dilatou meu olho, dedicada ao cinema. Mas aí é assunto para outra história. Em meados de 2006/07, graças ao quadro Cine Belas Artes, do SBT, conheci “Laranja Mecânica” (Stanley Kubrick, 1971). a partir dali, minha vida cinéfila mudou por completo. Não entendia como podia haver uma obra tão crua, fria e forte. Nenhum dos filmes de terror que eu assistira até ali (que haviam sido muitos) se comparava àquilo. Era um terror diferente, uma agonia inexplicável. Eu tinha cerca de 15 ou 16 anos, e aquilo ia além de tudo que eu conhecera.

“Laranja Mecânica” é inspirado no romance distópico de 1962, de mesmo nome, escrito pelo britânico Anthony Burgess. Para resumir (como se fosse necessário), a história é ambientada num futuro incerto, e conta a história de Alex DeLarge, um marginal de 15 anos, líder de uma gangue, que acaba sendo preso após uma arapuca de seus parceiros. Na prisão, ele vira cobaia de um experimento científico que promete curar a mente do sujeito mau e torná-lo sociável novamente. É basicamente isso.
A partir dessa história, vem toda uma beleza que, de certa forma, incomoda. Beleza essa tão surreal ao ponto de nos fazer enxergar cenas de ultraviolência (como diria Alex) com um olhar diferente. É daí que vem a agonia inexplicável que citei acima. Tais cenas de violência vem acompanhadas de uma trilha sonora clássica impecável, o que torna tudo mais instigante e contraditório à nossa mente. Esse mix de “violência + música clássica” chega a remeter às perseguições desenfreadas de “Tom & Jerry”, ou das cenas inesquecíveis em barbearias nos desenhos de “Pernalonga” e “Pica-Pau“, que trazia lâminas bem afiadas camufladas entre sinfonias de música clássica.

LARANJA MECÂNICA (1971)
Cena de parte do experimento chamado “Tratamento Ludovico”

A partir do ato do tal experimento “anti-violência”, o filme nos faz questionar sobre algo maior: o livre-arbítrio. Durante o experimento, Alex é submetido a métodos não convencionais que não cura seu “ser mau”, mas o faz ter repulsa seguida de um grande mal-estar. Após isso, ao voltar à sociedade, Alex não é mais o mesmo. Ele não está curado, ele apenas perdeu seu direito de ser e decidir. O foco da visão nesse ato não é a delinquência que vivia o personagem, mas o método usado pelo estado para “curá-lo”. Nas mãos da sociedade, o personagem, porventura, cai vítima dos mesmos atos brutais que cometeu, porém sem o poder de revidar, pois o mal-estar criado pelo experimento não o permite. Há um trecho no livro que diz: “quando um homem não pode escolher, deixa de ser homem”. E é nesse estado que o jovem se encontra agora. Um estado de não mais ser.

Nós, leitor, você, eu e todos que conhecemos, temos o direito à liberdade. Liberdade de ir e vir, sermos o que quisermos, comermos e bebermos a quantidade que acharmos necessário. O que nos impede é o poder. Se você pode ou não pode não sou eu quem decido. Pode ser você, pode ser seus pais ou até estado maior e suas leis. A questão é que, no filme, ao se sentir perdido entre o estado de ser e escolher, Alex chega ao extremo e tenta suicídio. “Violence makes violence“, diz um personagem do filme ao protagonista. Seu estado privou sua violência ao ponto dele explodir contra ele mesmo. É clara a agonia vivida pelo personagem. Então, leitor, não se prive de quem você é e de suas escolhas. Não perca seu direito ao livre-arbítrio. Seja e escolha dentro do que acha que pode. Ah, uma dica: não se exploda.

P.S.: Para quem se interessa por música clássica, abaixo deixo a trilha sonora oficial do filme (ripada de vinil) e um vídeo compilando músicas clássicas das animações citadas, entre outras.

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